segunda-feira, 20 de abril de 2009

(WENDO) Entrevista com Trude Menrath!



A instrutora de WenDo alemã, Trude Menrath, acredita que esta técnica de auto defesa é um dos caminhos eficazes que as mulheres podem encontrar para combater a violência que sofrem no dia-a-dia. WenDo, que significa “caminho das mulheres” surgiu no Canadá nos anos 70 desenvolvido por uma família que treinava artes marciais e que souberam que sua vizinha tinha sido agredida e morta pelo marido dela, sem chances de defesa. Por isto, eles/elas decidiram criar técnicas e estratégicas, fáceis e seguras, de serem aplicadas por mulheres e meninas quando estas fossem vítimas de alguma violência, em casa ou nas ruas. A partir daí, o WenDo começou a ser difundido por diversos países, entre eles, o Brasil que hoje conta com cinco grupos nas cidades de Curitiba, Salvador, São Paulo, João Pessoa, e mais recentemente, em Brasília.

Trude Menrath é uma das mulheres responsáveis por esta difusão. Sempre que possível ela vem ao Brasil para poder acompanhar o desenvolvimento do WenDo no país e poder colaborar para que cada vez mais outras mulheres tenham acesso a ele. Foi assim que ela chegou em João Pessoa e realizou uma oficina de uma semana com as mulheres do grupo de WenDo desta cidade. Aproveitando sua passagem pela terrinha, fiz esta pequena entrevista com ela, que nos fala dentre outras coisas, da realização de encontros anuais na França e no Canadá e da organização dos grupos de WenDo pela Europa.

Por Mabel Dias


1) Como você conheceu o WenDo e em que ano foi?
Meu nome é Trude e eu conheci o WenDo no ano de 1980. Participei de uma oficina em uma casa onde tem sempre oficina para mulheres, no campo, perto da minha cidade, Köln, na Alemanha. É uma casa para estudos, férias, voltada para mulheres e nesta casa foi a primeira ou segunda vez que tive uma oficina de WenDo. Fui lá para aprender WenDo.

2) Há quanto tempo você ensina o WenDo?
Eu comecei a ensinar cinco anos depois que o conheci e comecei a treinar cinco anos depois da oficina que participei, que durou uma semana, e então com outras mulheres iniciamos com um grupo na minha cidade. Começamos a treinar auto organizadas, sem treinadora, comecei dois anos depois a treinar jiu jitsu e outras artes marciais, sempre buscando maneiras para oferecer às mulheres meios para elas se auto defender. Há 28 anos comecei com o WenDo e há 23 anos que ensino o WenDo.



3) O que significa o WenDo?
Para mim significa um método feminista, uma resposta e um enfrentamento das mulheres em relação à violência contra as mulheres, não é um conceito só físico, de defesa física, mas é um conceito feminista integral, que usa todas as maneiras como todas as mulheres podem se defender, não é só corpo nem só com golpes.



4) Qual o nome do grupo de vocês, fale sobre o trabalho desenvolvido pelo seu grupo na Alemanha com as mulheres de lá.
O nome do grupo é “Frau Schmitzz”, Frau, em alemão quer dizer “mulher” ou “senhora”, e Schmitzz, é um nome muito comum na região, e queríamos mostrar já com o nome, que o WenDo é para qualquer mulher, não tem que ser jovem, não tem que ser esportiva, pode ser qualquer mulher, de qualquer idade. Trabalhamos muito com meninas, a partir de 6 anos, fazemos cursos com diferentes tipos de mulheres, eu faço muito curso com mulheres imigrantes, falo alguns idiomas e então posso fazer cursos com mulheres que não falam alemão, fazemos cursos para mulheres que tem problemas físicos, qualquer mulher que não pode andar. Nosso grupo funciona desde 1988, eu e mais duas outras mulheres com muitas mais fizemos este grupo e até hoje ele existe, atualmente somos três. Nos encontramos uma vez no mês, antes era uma vez pela semana, e discutimos juntas os temas do WenDo e as vezes treinamos. Discutimos o conceito de WenDo e estamos sempre buscando colocar o WenDo mais próximo das mulheres que
precisam, e sempre nas oficinas de WenDo são dados os passos, o que eu aprendi nos anos 80 hoje é muito diferente do WenDo que eu ensino, tem muito a ver com o desenvolvimento que teve no movimento feminista, porque o WenDo está muito perto do movimento feminista, todas as treinadoras de WenDo na Europa são feministas, a maioria são lésbicas, e assim integramos no WenDo os temas que o movimento feminista discute. Um exemplo é que no final dos anos 80 o assunto de abuso sexual de meninas foi muito discutido dentro do movimento feminista e a partir daí integramos este assunto aos treinos, e no final dos anos 80 começamos a dar aulas a meninas, e sempre vemos o WenDo como uma prevenção contra o abuso sexual das meninas e uma maneira para as mulheres sobreviver a violência que elas sofreram na vida.



5) Porque o WenDo é apenas para as mulheres, gostaria que você explicasse isto e falasse da importância das mulheres se organizarem.

Para mim é muito claro porque o WenDo é para mulheres, não sei porquê há dúvidas. Na Alemanha, como aqui no Brasil, na maioria dos outros países do mundo, a mulher se encontra em uma situação de opressão e discriminação e por isto os homens podem usar violência contra ela, até matar a esposa se ela quer se separar, existem vários tipos de violência, discriminação no trabalho, estupro, abuso sexual. Hoje em dia na Alemanha, que é um país desenvolvido como muitos pensam, mas lá a mulher recebe ainda menos dinheiro que os homens, fazendo o mesmo trabalho. Em nosso país, assim como no Brasil, existe muita discriminação, as mulheres sofrem violência e é muito importante que elas se organizem para acabar com isto, eu vejo na Alemanha, como aqui que as mulheres conseguiram muitas coisas, mas ainda não é suficiente, este pensamento que já conseguimos muito e não precisamos mais do movimento feminista, não é verdadeiro, sobretudo na Alemanha vemos a situação das mulheres
imigrantes, e no Brasil se olharmos a situação da mulher negra, da trabalhadora, percebemos que temos que continuar lutando.

6) Conte como se dá a organização do WenDo na Alemanha e na Europa.

Temos uma estrutura boa. Tudo começou em 1979 quando as primeiras professoras de WenDo foram formadas lá na Alemanha, mulheres da França e da Bélgica, e de outros países, e lá as mulheres começaram a se encontrar uma vez no ano na França para aprender mais e trocar informações, para trocar idéias e depois começaram a realizar um encontro no sul da França, que é internacional. Em muitos outros países da Europa, como Suécia, Espanha, Suíça, e na Turquia, que não é na Europa, mas fica próximo, existem grupos de WenDo. O encontro lá na França demora três dias, a cada ano, acontece no final de agosto é um ponto de organização, de treinar muito também, na Alemanha a rede de treinadoras se encontra uma vez pelo ano também, e tem encontros entre mulheres de WenDo e artes marciais, tem uma estrutura boa, e procuramos nos manter auto organizadas. Até hoje o WenDo não é uma organização não-governamental (ONG), uma organização institucionalizada, tem grupos autônomos. Eu quero que o
WenDo fique sempre autônomo. Somos respeitadas por muitas instituições e na minha cidade até a policia quando as mulheres são violentadas pelos maridos, ou crianças, eles indicam, mandam a mulher, a menina, para nosso grupo, para fazer os treinos conosco, temos uma boa visibilidade e respeito.


7) Como vocês se organizam e como os grupos se mantêm na Europa?

Quando fazemos cursos recebemos dinheiro das instituições, às vezes das mulheres, às vezes uma mistura das duas coisas, somos bem remuneradas pelas instituições, mas também fazemos cursos onde nós recebemos pouco dinheiro em solidariedade com grupos de outras mulheres. Por exemplo, agora estou em João Pessoa treinando com vocês e não estou cobrando a vocês pela oficina que estou dando, sempre tem este lado onde podemos cobrar, cobramos, onde não podemos não cobramos ou cobramos menos, é uma maneira de termos renda para manter o nosso grupo. Quando nos encontramos e fazemos este trabalho de organização e de desenvolvimento, divulgação do WenDo, fazemos com nosso dinheiro, nosso trabalho, não recebemos nada de ninguém.


8) Como são pensados estes encontros que são realizados na França, Canadá e quantos já foram realizados?

Começou em 1979 e a cada ano tem um encontro no sul da França, há 28 anos estes encontros são realizados.
É sempre um grupo de alguma cidade participante do encontro, e agora o encontro é muito mais internacional, o grupo pega a responsabilidade para organização e o grupo vai lá e organiza e tudo isto é feito voluntariamente e sem ajuda financeira, as mulheres quando chegam ao encontro dão apenas uma contribuição, porque temos que pagar pelo acampamento, alimentação, e também tem mulheres que tem mais dinheiro e mulheres que não podem pagar e nenhuma mulher fica de fora se não pode pagar. As primeiras brasileiras, que são as mulheres do grupo de Salvador, que participaram deste encontro não precisaram pagar, foi um ato de solidariedade.


9) Percebo que o WenDo tem algumas características anarquistas, você concorda?

Sim. Eu penso que se você é radical feminista, você também tem ligações, características com o anarquismo, como a busca por autogestão, solidariedade, apoio mutuo, entre outros princípios que fazem parte do anarquismo.


10) Vocês já realizaram oficinas com prostitutas. Conte o que foi mais marcante nesta oficina.

Foi minha colega de grupo quem fez esta oficina, no meu caso posso falar de outras experiências que tive, e o mais marcante é quando chegam as meninas e as mulheres, às vezes são tímidas e quando saem do salão já tem outra expressão do corpo, de auto estima, acho isto muito legal do trabalho. E também com as vitimas de violência o WenDo trabalha com as experiências de violência que cada uma já teve, que é uma maneira de sobreviver, é uma maneira de se sentir melhor e de manter controle sobre a vida melhor que antes, é um lado muito importante do WenDo e também muito bonito, porque quando uma mulher sofre violência é sempre um trauma, ela perde o controle sobre a vida dela, sobre o corpo dela, e com o WenDo ela pode retomar este controle, isto muda muito, na minha vida e também na vida das mulheres, isto eu posso ver na expressão das mulheres, isto é muito lindo do WenDo.

11) E com as prostitutas, como foi?

Foi a Gabi quem fez a oficina junto com outra colega nossa, a Marsha, que hoje não está mais no grupo, elas trabalhavam juntas, porque quando são grupos grandes e que precisam de mais atenção trabalhamos em duas. A experiência foi muito boa, foi difícil porque estas mulheres eram usuárias de heroína, elas vieram algumas semanas, mas foi muito bom porque elas se sentiram mais fortes depois da oficina e as prostitutas são mulheres bem mais vulneráveis a violência, muitas vezes os homens não querem pagar, batem nelas, fazem coisas que elas não foram contratadas. Para elas foi muito legal para elas terem esta experiência e para nós também.


12) Qual o recado que você daria para as mulheres brasileiras, para as mulheres de um modo geral, para que elas saiam deste circulo de violência, que não é nada fácil, mas possível.

Que sempre tem caminho.

13) E o caminho pode ser o WenDo...

E o caminho pode ser o WenDo ou outra coisa, mas penso que sempre tem um caminho, às vezes não é fácil encontrar, mas se estamos de olhos abertos, tem um caminho.